Alugou um triplex na minha cabeça: por que o rancor faz tão mal
Como libertar a mente de velhas mágoas e abrir espaço para uma vida (um pouco) mais leve -- sem passar pano pra ninguém
Trilha sonora deste texto: The Chicks - “Not ready to make nice”
Se eu deixar minha mente correr no automático, me torno uma pessoa rancorosa. Consigo lembrar de coisas de mais de vinte anos atrás que me ofenderam e me deixaram mal. Reviver esses momentos traz uma grande tensão — mesmo que tudo aconteça somente dentro da minha cabeça — e, mais do que isso, alimentar rancores acaba sendo algo viciante.
Recentemente, ouvi um episódio do podcast
, apresentado pelo brilhante Shankar Vedanta, no qual o psicólogo Fred Luskin aborda exatamente esse tema. Luskin explica que, na prática, quem mais sofre com o rancor é justamente a pessoa ofendida: ficamos repassando e revivendo momentos ruins, perpetuando um ciclo desgastante que faz mais mal a nós do que a quem nos feriu.Quando a mágoa sai do controle
Exemplos históricos e casos cotidianos ilustram como o rancor pode tomar conta de uma vida. Uma das histórias citadas no podcast é a famosa rivalidade entre as famílias Hatfield e McCoy, no final do século XIX, em que uma desavença inicial levou a anos de conflitos violentos. Embora radical, esse caso mostra como uma situação de ofensa pode crescer e criar raízes que atravessam gerações.
No plano pessoal, Luskin conta a história de “Debbie”, que sofria com o marido infiel, e de “Jill”, que nunca se sentiu amada pela mãe — e continuou a alimentar essa dor mesmo após a morte dela. Em ambos os casos, as mágoas ficaram tão presentes que se tornaram parte da identidade dessas pessoas, criando uma espécie de “história de sofrimento” que elas repetiam constantemente.
Por que o rancor faz tão mal
Segundo estudos na área de psicologia e medicina, guardar ressentimentos de forma prolongada tende a elevar níveis de estresse, prejudicar o sono e até aumentar riscos cardiovasculares. Há também impacto na saúde mental, pois a cada vez que relembramos um episódio doloroso, nosso corpo e nossa mente revivem a tensão — como se estivéssemos passando pela situação novamente.
Fred Luskin descreve três mecanismos que alimentam esse processo:
Levar tudo para o lado pessoal: interpretar o que nos acontece como uma afronta direta (“foi contra mim”).
Culpar o outro sem cessar: apontar um culpado traz alívio rápido, mas prolonga a sensação de injustiça.
Narrativas de queixa: quando repetimos exaustivamente a mesma história de ofensa, ela passa a moldar como nos vemos e como lidamos com o mundo.
Outro ponto importante é o que Luskin chama de “regras inegociáveis”: expectativas rígidas sobre como as pessoas deveriam agir. Criamos a ilusão de que o outro tem de nos tratar de certa forma, de que tem de pedir desculpas — mas, na prática, não temos controle total sobre o comportamento alheio. Quando essa “regra” é violada, ficamos indignados e alimentamos o ressentimento.
Como se libertar desse ciclo
Apesar de o rancor parecer “natural”, há formas de mudar essa dinâmica:
Reconhecer a dor e dar um limite a ela
É normal precisar desabafar quando somos feridos. No entanto, se isso se estende por meses ou anos, vira a nossa principal narrativa de vida. Criar um “prazo” ou uma meta de superação ajuda a frear essa repetição interminável.Reescrever a própria narrativa
Em vez de girar em torno do que deu errado, tente buscar aprendizados. Pergunte: “Como posso crescer a partir disso?” ou “O que a situação me mostra sobre mim mesmo?”. Essa mudança de perspectiva não apaga a dor, mas abre caminho para uma nova compreensão.Dar espaço a outros sentimentos
Praticar a gratidão ou focar em pequenas alegrias diárias funciona como um freio para o fluxo de pensamentos negativos. Perceber que existe mais na vida além da ofensa diminui o domínio que o rancor tem sobre nós.Rever as “regras inegociáveis”
Avalie se você está exigindo do outro algo que, no fundo, não é possível obrigá-lo a fazer. Reconhecer isso reduz a frustração quando o mundo (ou as pessoas) não segue à risca o que idealizamos.Buscar ajuda especializada
Se o ressentimento contamina o cotidiano e afeta a maneira de se relacionar com amigos, família ou colegas, vale considerar uma terapia. Um profissional pode ajudar a reformular a visão sobre o que aconteceu e abrir caminhos de reconciliação interna.
Vivendo com menos peso
Como Fred Luskin reforça, deixar para trás a dor não significa “passar pano” para quem nos ofendeu. É, antes de tudo, um presente que damos a nós mesmos. Cada vez que revivemos mentalmente um rancor, oferecemos energia a quem nos magoou — muitas vezes, sem que a pessoa nem saiba.
Aprender a soltar essa carga emocional é um movimento de autocuidado e liberdade. Em lugar de desperdiçar nossa paz atual revivendo episódios antigos, passamos a canalizar tempo e atenção para o que de fato importa agora. Afinal, quando deixamos de “alugar espaço” na mente para o rancor, abrimos caminho para relações mais saudáveis e para um bem-estar genuíno.
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