Como cultivar esperança quando tudo parece incerto
A ciência tem mostrado que a esperança não é só um estado emocional: é uma prática
A esperança parece, às vezes, um recurso escasso. É difícil mantê-la quando o mundo nos entrega mais manchetes de crise do que boas notícias. Mas a ciência tem mostrado que a esperança não é só um estado emocional: é uma prática, uma habilidade que pode ser aprendida e fortalecida — e que tem efeitos concretos no nosso bem-estar, na saúde física e até na forma como o cérebro funciona.
Foi isso que a psicóloga Charlotte Van Oyen-Witvliet, da Hope College, vem estudando há anos. Ela criou um exercício de escrita que pode ajudar a cultivar esperança de maneira realista e sustentável. Um exercício que conecta o que ainda desejamos com o que, no passado, parecia impossível, mas aconteceu.
E não é só teoria: estudos robustos mostram que praticar a esperança muda a forma como enfrentamos a vida. Ela pode ser um antídoto contra o desespero — e uma ferramenta de ação quando tudo parece paralisado.
A esperança é mais do que otimismo
O psicólogo Charles Snyder, um dos pioneiros no estudo da esperança, propôs que a esperança é uma combinação de três elementos:
Objetivo: saber o que queremos alcançar.
Caminhos: acreditar que existem formas de chegar lá.
Motivação: ter energia para seguir tentando, mesmo quando o caminho se complica.
É uma construção ativa, não um pensamento mágico. Pesquisas mostram que pessoas com altos níveis de esperança têm melhor desempenho acadêmico, maior criatividade, mais capacidade de resolução de problemas e menos risco de depressão e ansiedade.
Em situações de sofrimento extremo, a esperança funciona como um dos últimos recursos psíquicos de resistência.
E ela transforma o cérebro. Estudos recentes mostram que práticas que estimulam o pensamento esperançoso fortalecem o córtex pré-frontal, área ligada à tomada de decisões e regulação emocional. Pessoas esperançosas também ativam mais intensamente o sistema de recompensa cerebral, associado à dopamina e à sensação de prazer ao conquistar objetivos.
O poder da escrita terapêutica
A ideia de escrever para organizar emoções e construir novos significados vem de pesquisas iniciadas nos anos 1980 pelo psicólogo James Pennebaker, da Universidade do Texas. Ele descobriu que pessoas que escreviam sobre traumas e desejos profundos tinham menos problemas de saúde, menos necessidade de atendimento médico e melhorias psicológicas significativas.
Desde então, diversas meta-análises confirmaram os benefícios da escrita expressiva. Ela:
Reduz sintomas físicos relacionados ao estresse.
Diminui ansiedade e depressão.
Melhora a imunidade.
Favorece a regulação emocional e o autoconhecimento.
A escrita ajuda a dar forma ao que sentimos, o que, segundo a psiconeuroimunologia, é essencial para reduzir impactos físicos de emoções não expressas — como dores de cabeça, problemas digestivos, tensão muscular e alterações de pressão.
Em jovens brasileiros, estudos mostraram que escrever sobre momentos positivos pode aumentar sentimentos de alegria e reduzir afetos negativos.
A prática da esperança
Charlotte Van Oyen-Witvliet propôs um exercício estruturado para cultivar esperança de forma ativa. É uma prática simples, mas profunda:
Escreva sobre algo que você espera que aconteça, mas que você não pode controlar completamente.
Reflita sobre a importância dessa esperança e o quanto você está disposto a agir.
Lembre-se de uma esperança antiga que parecia incerta, mas que se concretizou.
Escreva sobre quem te ajudou, o que você aprendeu e o que foi possível realizar.
Conecte esse aprendizado com o que você espera agora.
Anote uma pequena ação que você pode fazer hoje em direção a essa esperança.
O impacto é real. Em um estudo com 153 estudantes, os que fizeram esse exercício se sentiram mais esperançosos, mais motivados e mais felizes do que os que apenas escreveram sobre tarefas do dia a dia.
Quando o assunto é ansiedade climática
O caso da camada de ozônio, mencionado por Tomás Morín em um episódio do podcast The Science of Happiness, é um exemplo interessante. Quando criança, ele se sentiu paralisado pelo medo de que o buraco na camada de ozônio destruísse a vida como conhecemos. Anos depois, descobriu que, graças ao Protocolo de Montreal, as emissões de CFCs foram drasticamente reduzidas — e a recuperação da camada de ozônio se tornou uma das maiores vitórias ambientais da história.
Esse tipo de referência é especialmente importante para os jovens de hoje, que estão imersos na chamada ansiedade climática. Pesquisas apontam que:
Mais de 60% dos jovens brasileiros estão muito preocupados com as mudanças climáticas.
Quase 90% dos adolescentes brasileiros afirmam sentir preocupação com o futuro climático, muitos deles relatando sentimentos de tristeza e impotência.
57% dos jovens no Brasil relatam sintomas claros de ecoansiedade, como insônia, medo e desesperança.
A boa notícia é que ações concretas — mesmo pequenas — ajudam a aliviar esses sentimentos. Participar de grupos, mobilizações comunitárias e ter contato frequente com a natureza reduzem a ansiedade e aumentam a sensação de pertencimento.
Esperança se ensina, se pratica, se compartilha
A neurociência confirma que práticas de gratidão e esperança ativam o sistema nervoso parassimpático, responsável pela calma e recuperação física. Pessoas que cultivam esses estados emocionais apresentam menos reatividade da amígdala — a região cerebral que dispara o alarme do medo.
Mais do que um sentimento, a esperança é um conjunto de ações e percepções que podem ser treinadas. Ela protege contra depressão, previne exaustão emocional, melhora o desempenho escolar, fortalece vínculos familiares e pode ser ensinada desde a infância.
Como diz o psicólogo Martin Seligman, otimismo e esperança podem ser aprendidos (e reaprendidos) ao longo da vida.
Referências
Conceito de esperança no processo de aprendizagem. Link
Psiconeuroimunologia: a intrigante técnica de escrever sobre traumas que ajuda a curar o corpo. Link
O que os jovens brasileiros pensam sobre mudanças climáticas. Link
Apesar da ecoansiedade, jovens demonstram resiliência para lidar com o clima, diz Unicef. Link
Na comunidade, os jovens encontram antídotos para a ansiedade climática. Link
Viver perto de ambientes naturais é bom para a saúde mental de crianças e jovens. Link
Por que praticar a gratidão é indispensável, segundo a neurociência. Link
A influência da esperança na saúde mental: revisão integrativa. Link