Fugindo das idealizações: o que um roqueiro ensina sobre criatividade
O líder da banda Pixies fala sobre seu processo de composição, erros e liberdade artística
O Respiro não é uma newsletter sobre música, mas quero acreditar que minhas leitoras e leitores, como eu, compreendem o bem-estar emocional como algo mais amplo, que vai além de meditação, remédios e pesquisas — embora todos estes sejam muito valiosos, é claro.
Por isso, nesta edição, decidi falar sobre música, mas especificamente sobre bastidores de um dos álbuns mais aguardados do ano (por mim): The Night the Zombies Came, dos Pixies.
Líder da banda, Black Francis deu em 2016 uma entrevista muito bacana para o site Psychology Today, falando sobre seu uso de narrativas para encontrar sentido no mundo. Leia o bate-papo aqui, vale a pena.
Até por conta disso, decidi escrever sobre essa outra entrevista, desta vez para o podcast Tape Notes. Ao lado de Tom Dalgety, produtor do disco mais recente dos Pixies, Francis falou sobre seu processo criativo de uma maneira muito interessante e despretensiosa. Esta, aliás, é uma das características que considero mais interessantes a respeito do trabalho que ele desenvolve como cantor e compositor.
Apesar de ser aclamado com um dos cérebros por trás de uma das bandas de rock mais influentes da história, Francis não costuma falar de si de maneira grandiloquente. A impressão que se tem é a de que ele apenas é um cara tentando fazer música. E não um artista reconhecido por gente como David Bowie, Kurt Cobain, Billy Corgan, Thom Yorke e até Caetano Veloso como um inovador no rock.
Sem medo do fracasso
Na parte final do papo de mais de uma hora e meia, Francis fala sobre a necessidade de não ter medo de errar durante o processo criativo. Ele compartilha uma lição que aprendeu com pintores: "Você não pode ter medo de falhar. Não pode ter medo de ser ruim. Apenas faça." Esse pensamento permite que ele explore diferentes direções musicais sem se preocupar excessivamente com o resultado.
Claro, Francis reconhece que nem todas as canções serão um sucesso estrondoso, mas é através dessa liberdade criativa que surgem os momentos mais interessantes.
"É assim que chegamos a alguns lugares bem estranhos ou, pelo menos, excêntricos ou interessantes", comenta.
A relação com a autocrítica
Embora seja prolífico em sua produção, Charles admite que nem sempre é o melhor editor de si mesmo. No entanto, ele vê valor em permitir que as ideias fluam livremente, mesmo que ocasionalmente se arrependa de ter lançado certas músicas. O prazer que encontra na criação supera essas dúvidas: "Eu gosto demais disso."
Confiança nos colaboradores
Um aspecto importante do processo de Francis é a confiança que deposita em seus colaboradores, especialmente nos produtores. Ele acredita que não é necessário estar presente em todas as etapas, como a mixagem, se houver confiança na equipe: "Se você confia na pessoa que está dirigindo o ‘ônibus’ da produção, então confie de verdade." Essa delegação permite que ele se concentre no que faz de melhor, enquanto outros contribuem com suas próprias habilidades para o projeto.
Para mim, Black Francis é um dos compositores mais importantes da história do rock, ao lado de Lou Reed, Lennon & McCartney, Bruce Springsteen e outros. Vê-lo falando de seu processo criativo e de trabalho de uma maneira tão pé no chão é um verdadeiro respiro (ei, esse é o nome da newsletter!).
Excesso de idealização
Vivemos em uma cultura que idealiza demais certas coisas. Nossas medidas de sucesso são deturpadas por um sistema que, muitas vezes, premia as coisas erradas. Por isso decidi focar esta edição na entrevista de Black Francis. Ouvi-lo falar me deixou com mais vontade de escrever, testar as possibilidades e perseverar nos projetos criativos que tenho.
Foi o contrário de uma idealização. Francis transmitiu o que há de concreto no ato criativo, que é o trabalho, a prática, a persistência. E creio serem esses elementos fundamentais para o nosso bem-estar emocional e existencial. Viver mais o presente, nos dedicar a coisas que não necessariamente trarão resultados imediatos, mas que nos ajudarão a entender quem somos, o que quer que isso signifique.
Por fim, claro, convido a vocês a ouvir não a entrevista enorme de Francis e Dalgety ao podcast Tape Notes, mas sim ao novo disco do Pixies. Na minha opinião, é um dos melhores trabalhos da banda. Dê um play abaixo na música “Jane (The Night the Zombies Came”) e me conte se gostou: