Como ter (um pouco de) paz em meio ao caos
Não precisamos ser monges para encontrar momentos de calmaria no dia a dia maluco em que vivemos: o que aprendi com a Reverenda angel Kyodo williams
Sei que, para muita gente, a meditação ainda é vista como uma espécie de superpoder. Infelizmente, muitos professores, instrutores e facilitadores ainda insistem em explicar essa prática usando ideias equivocadas como “esvaziar” ou “purificar” a mente.
Quando ouvi falar da Reverenda angel Kyodo williams, imediatamente quis saber mais sobre ela. Para ela, meditação não é uma prática reservada a quem se retira do mundo, como um monge ou um asceta (alguém aí leu Siddharta, do Herman Hesse?). Pelo contrário, ela precisa ser útil para o nosso dia a dia, onde enfrentamos problemas reais, demandas incessantes e responsabilidades que não podemos ignorar.
Já faz alguns anos que acompanho seu trabalho, que incluem não só encontros de meditação, mas simpósios sobre justiça racial, igualdade e o que ela chama de “darma radical", uma derivação social das lições do budismo. Recentemente, ela deu uma entrevista ao podcast
, do jornalista PJ Vogt (que fazia o excelente Reply All), em que falou sobre suas ideias de uma maneira muito clara.Ouça o programa: https://www.searchengine.show/listen/search-engine-1/how-do-you-sit-quietly-in-the-middle-of-a-storm
Tanto que estou aqui, escrevendo um texto sobre a conversa que ela teve no programa. Acho que sua maneira de ver o mundo pode ser útil não só para os meditadores e meditadoras que leem o Respiro, mas para qualquer pessoa que precisa encontrar um pouco de paz nesse redemoinho de más notícias e aflições em que vivemos.
Práticas meditativas para gente como a gente
“A maioria das instruções que recebemos sobre meditação vêm de tradições monásticas, onde as pessoas estão desengajadas do cotidiano… Meu trabalho é ajudar as pessoas a encontrar uma forma de meditar que faça sentido na vida que elas realmente têm”, diz Rev. angel ao podcast. A prática que ela ensina se alinha com a realidade de quem precisa seguir vivendo, sem a opção de “desligar” o mundo. Sua proposta é encontrar uma forma de estar presente em nós mesmos — mas sem criar um refúgio artificial.
Para Rev. angel, o coração da prática não está em “apagar” a mente ou eliminar pensamentos, mas em uma ação simples: retornar ao momento presente sempre que nossa mente começa a divagar. “A única instrução que dou é: simplesmente volte. Toda vez que você perceber que está em outro lugar que não onde deseja estar, volte. Isso é a prática de meditação: o ato de retornar.”
Paz no caos é possível?
Esse retorno contínuo nos ensina algo fundamental: que podemos encontrar paz mesmo em meio ao caos do dia a dia. Rev. angel explica que, ao nos alinharmos com nosso próprio ritmo e ritmo, encontramos um contentamento que não depende das circunstâncias. “Quando estamos mais sintonizados com nosso próprio ritmo, nossa velocidade, ficamos mais contentes, mais alinhados com nós mesmos, mesmo que pareça que não estamos em sincronia com o resto do mundo.” Em vez de buscar um estado ideal, isolado dos problemas, ela propõe que aprendamos a lidar com eles de forma mais leve e resiliente.
E isso não significa ignorar o que nos incomoda ou evitar o sofrimento. Na prática dela, ao invés de fugir das partes difíceis, aprendemos a dar espaço para toda experiência ter seu lugar — o bom e o ruim, o alegre e o doloroso. “Meditação não é escapar. Trata-se de encontrar maneiras de lidar com a realidade como ela é e ver a totalidade da nossa experiência. Em vez de evitar o sofrimento, convidamos o sofrimento a entrar.”
Nos retiros de meditação, nos quais os participantes passam dias em silêncio, Rev. angel observa que eles aprendem algo essencial para a vida prática: muito do que nos incomoda vem de dentro, e não do ambiente ou das outras pessoas. “Percebe-se que até mesmo em um lugar onde tudo foi preparado para estar perfeito, você ainda consegue se irritar com as pessoas, amar as pessoas, sentir ciúmes, distanciamento… Esse é o poder do retiro: nos força a ver que talvez tenhamos responsabilidade por esses sentimentos, e não os outros.”
O que fazer, então?
Mas não é preciso ir a um retiro para praticar. Ela sugere uma prática simples para quem deseja experimentar esse tipo de meditação: encontrar um ponto de retorno, algo que nos traga de volta ao presente. Pode ser a respiração sentida no baixo-ventre ou qualquer sensação que ajude a sintonizar com o corpo. “Não precisa sentar em silêncio; basta retornar a si… A questão é se tornar silencioso o suficiente para ouvir a si e ficar parado o suficiente para sentir o próprio corpo.”
Para Rev. angel, não é preciso adotar uma postura rígida ou se isolar do mundo para meditar. O propósito da meditação não é transformar a vida em algo perfeito, mas aprender a conviver com ela como ela é. Talvez não seja uma paz “mágica”, mas é uma paz prática — a paz de quem aprende a ser inteiro em meio aos desafios.
Esse tipo de meditação não é para monges; é para nós, que estamos no “mundo real”, com problemas reais e jornadas que exigem nossa presença.
Sugestão de prática
Você leu o texto, mas talvez ainda não tenha ficado claro o que deve fazer. Tomei a liberdade de reproduzir as instruções básicas da Reverenda.
Sentado, em pé ou deitado, vá para um local razoavelmente silencioso.
Fique numa posição confortável.
Recomendo deixar um timer de 5 minutos para quem está começando.
Ligue o timer e comece a prática: de olhos fechados ou olhando para baixo, escolha um ponto de retorno: pode ser sua barriga, o peito, o nariz, etc. Sugiro escolher algo que se movimente quando você respira.
Foque no ponto escolhido e na sensação gerada pelo ar entrando ou saindo.
Não demorará muito para que você se distraia com um pensamento, um ruído, algo que precisa fazer, um desejo, uma aflição ou medo. Sem problema nenhum: simplesmente reconheça que se distraiu sendo gentil consigo mesmo e volte o foco ao ponto de retorno.
Repita quantas vezes for necessário.
É isso, Diogo? É isso. E para que serve essa prática?, você vai me perguntar. Bom, basta reler o texto acima: ela é uma maneira de exercitarmos essa conexão conosco. Já pratico faz alguns anos e digo que ela nos ajuda a encontrar esse eixo em momentos difíceis. E essa prática pode ser adaptada para muitas atividades do dia a dia. A própria Reverenda fala sobre isso na entrevista: se você estiver andando de bicicleta e conseguir sentir suas pernas se mexendo, focar na sensação do vento no seu rosto, etc., essa pode ser uma prática.
Não é preciso sentar num zafu (almofada de meditação) e ficar em posição de lótus com os olhos fechados. Basta se propor a perceber essa conexão com um ponto de retorno qualquer no seu corpo e praticar.
Já falei aqui no Respiro do excelente professor Alexis Santos (veja abaixo), que nos ensina a usar quase qualquer coisa como base para meditação (até dirigir!).
Se vocês ainda tiverem dúvidas de como praticar, mandem um alô! Estou pensando em fazer uma sessão online compartilhando o que aprendi com as práticas da Reverenda!